Li o seu artigo,“A “rivolução” dos nossos dias”, que publicou no "Público". É terrivelmente doloroso ver gente que considero inteligente falar do que não conhece, escamoteando factos, e olhar para o dedo quando lhe apontam a lua.
Antes de mais cumpre-me informá-lo que sou director do Teatro da Palmilha Dentada, do Porto, grupo nascido em 2001 e que, desde então, tem exercido a sua actividade nesta cidade sem subsídios e sem apoios, que não a venda de bilhetes e dos seus produtos culturais. Não sendo apoiado pelo Estado nem pela autarquia, sinto na pele o problema provocado pela intervenção estatal que origina distorções no mercado, obrigando-me a praticar preço abaixo do preço de custo para concorrer com produtores culturais subsidiados, na esperança de que a cultura que crio seja conhecida, apreciada e que o mercado cultural - que finalmente começa a despontar no país, fruto de uma rede de teatros municipais -, seja comprador do que tenho para vender.
No entanto, sou o primeiro a defender a intervenção do Estado na área cultural. Não espero que o país acorde feito, de um dia para outro, mas sim que se vá construindo lentamente, de erro em erro, até uma solução aceitável.
E é importante desmistificar o mito urbano do subsídio-dependente. Não é a arte que é subsídio-dependente; é o país que o é, e em demasiadas áreas. E, falando concretamente da cidade do Porto, a opção de um jovem iniciar uma carreira como actor ou bailarino significa ter que se preparar para estar sem trabalho mais de metade do ano, ser mal pago nos poucos meses em que trabalha, ter obrigatoriamente de reter 20% dos seus ganhos para pagamento de impostos, não ter direito a subsídio de desemprego nem de doença, não ter férias, não ter subsídio de férias nem de Natal e, mesmo assim, ser obrigado a pagar a segurança social (tendo ou não trabalho nesse mês) e ainda um seguro de acidentes de trabalho.
O Estado não regulamentou, ainda, o estatuto da carreira de actor. Nem a lei geral de trabalho, impostos e segurança social sabe como lidar com as especificidades da profissão. Aliás, em Portugal assistiu-se a um banalizar do uso dos recibos verdes. Muito culpa do próprio Estado que, durante anos, manteve a recibos verdes trabalhadores que deveriam ter outro enquadramento legal. Essa banalização obrigou a um distorcer da finalidade do recibo verde deixando desprotegidos aqueles que apenas tem trabalhos eventuais.
Tenho como certo que, se o Estado central - tal como está a fazer a Câmara do Porto - cortar todos os apoios aos grupos e festivais de Teatro e Dança da cidade, mesmo assim o teatro e a dança não desapareceriam completamente. O contrário já não se poderá dizer. Se os que sobem ao palco deixassem de o fazer sem estar assegurado um meio de subsistência digno, a produção de Dança e Teatro no Porto seguramente pararia. Não são os criadores que são subsídio-dependentes do Estado, é o Estado que é dependente dos criadores. São eles que subsidiam o estado.
O problema da cultura é igual ao de outras áreas, a excelência só se encontra quando se reúnem vários factores: a oportunidade de experimentar, a oportunidade de formação de base e a oportunidade de crescer no exercício da profissão. Para ter um atleta de alta competição de atletismo, Portugal tem que ter anualmente mais de meio milhão de jovens a correr, 100 mil a praticar desporto federados, alguns profissionais e, então, meia dúzia serão atletas de alta competição. Tal como na natureza, a cultura é uma pirâmide. Os peixes põem milhares de ovos para aumentar a possibilidade de alguns, os melhores, sobreviverem. Mas, ao contrário dos peixes, os que não chegam ao topo da pirâmide não se perdem; são o futuro público das provas de atletismo. Com a vantagem de ser público esclarecido.
E esta é a obrigação do Estado: garantir que em todas as áreas os portugueses tenham a possibilidade de dar o seu melhor encontrando o seu espaço útil na sociedade. Qualquer discussão que não tenha todas estas considerações em atenção é demagogia. Dizer que a municipalidade socialista encheu de dinheiro, subsídios e “prestígio” uma pequena multidão de “agentes culturais” é, no mínimo, ignorar a realidade histórica da cidade do Porto.
Na sua breve resenha histórica, salta dos vinte anos anteriores ao 25 de Abril para o ano corrente. Não teoriza sobre o deserto cultural, principalmente nas artes de palco, que esta cidade se tornou nos anos anteriores à tomada de posse do executivo de Fernando Gomes e que teve Manuela de Melo como vereadora da cultura. A cidade teve, nesses anos, uma verdadeira política cultural, que poderá ser discutida e analisada, mas reduzir o que foi feito ao binómio futebol-cultura é primário e impróprio de quem se espera uma reflexão inteligente e honesta.
Os números, infelizmente, são aquilo que fazemos deles. E os números que apresenta, os 11 milhões de euros, não são os números do custo de manutenção do Rivoli, mas sim os custos da estrutura Culturporto durante quatro anos. Além da gestão do Rivoli, a estrutura era também responsável pela animação da cidade. Esvaziada dessa função, que passou para recém-criada Porto-Lazer, a Culturporto manteve os custos. Ou seja, o Sr. Presidente da Câmara do Porto duplicou custos. Esvaziou de funções, mas não de despesas, uma estrutura e criou uma nova. Também cortou, drasticamente, as verbas para programação e nunca redefiniu a estrutura à dimensão das suas novas funções. Erros de gestão, conscientes ou inconscientes, e que agora permitem uma demagogia de números. Essa é a questão que importa discutir. A incapacidade de gerir e de pensar a cidade deste executivo na área cultural.
Como última solução, não me oponho que um equipamento público seja gerido por privados com um fim público, oponho-me que a cidade ceda os seus equipamentos a privados, com uma lógica de gestão privada. E que, ainda por cima, pague parte dos custos distorcendo a lógica de mercado. Se o Dr. Rui Rio pretende entregar o Rivoli a uma empresa, para que esta crie aí um negócio de entretenimento, pois que essa empresa pague o aluguer da sala e todos os custos.
E que depois, o Dr. Rui Rio explique que espaços culturais ficam na cidade para que se possa continuar a tentar criar e manter uma verdadeira vida cultural na cidade. Que explique o que resta à cidade para oferecer aos festivais, às escolas de dança, aos grupos de teatro e, inclusive, que espaço fica na cidade com capacidade e dimensão para acolher outros projectos de teatro comercial que a cidade tem direito a ver.
E note-se que não estou, de forma alguma, a defender que o Rivoli deve ser mantido para usufruto do Teatro de Plástico ou outros em concreto; defendo apenas que o fundamental é um debate sério sobre o estado da Cultura em Portugal. E o ruído que V.exª produziu é completamente inútil.
Ricardo Alves
9 comentários:
Tenho orgulho no meu patrão...nunca me vou fechar na sede!
afinfa-lhe!
Fiquei sem resposta,muito bom mesmo!
Quando for grande quero ter um patrão assim!!!
Joana tivesse eu dinheiro e estava contratada
Não basta saber escrever e ter uma opinião... É preciso conhecer o assunto de que se escreve.
Parabéns! Grande texto!
este gajo é um senhor!
patrão, obrigado por tudo.
Certeiro. Já o tinha lido na Baixa do Porto, mas aqui sempre posso manifestar o meu apreço :)
é-me dificil este assunto porque não tenho vindo a entender o papel da Autarquia na Cultura da cidade Invicta (ainda me custa engolir e acho que sempre custará quando olho para a Praça da Liberdade e Avenida dos Aliados, assim como para a entrada do Museu Soares dos Reis), não sei se será o mesmo no resto País, espero sinceramente que não.
Criar e/ou Produzir algo nesta cidade é tarefa árdua pela inexistência de apoios ou até mera boa-vontade de pelo menos deixar fazer.
sublinho que o importante é dignificar as pessoas no exercício da sua profissão, seja ela qual for.sublinho também que me parece um descalabro injustificável e anti-cultural a cidade não ter um Teatro Municipal.
também eu, lol, subscrevo o vosso texto.
Um abraço cúmplice para a Palmilha Dentada
um obrigado aos cidadãos que defendem a Cultura Pública e que se manifestam por ela neste momento.
Penso que acima de tudo ninguém tem dúvidas que a profissão de actor (ou sendo mais abrangente, de artista, o que engloba todas as áreas, do teatro às expressões plásticas, do cinema à literatura) é absolutamente digna e essencial numa sociedade moderna. "Nem só de pão vive o homem", já diz o ditado.
A questão é que nesse aspecto, a profissão de "artista" não é diferente e mais ou menos válida do que qualquer outra. Quando fala nos recibos verdes e nas retenções que tem que fazer, infelizmente essa é uma realidade comum a todas as profissões.
A título de exemplo, apesar de trabalhar há mais de 7 anos na mesma empresa, ter que cumprir um horário e ser na prática um profissional por conta de outrém, sempre estive a recibo verde, tendo que suportar a Segurança Social e seguro obrigatório do meu próprio bolso.
Independentemente de achar que determinadas produções quer sejam elas musicais, teatrais ou cinematográficas devam ter apoios estatais ou municipais porque a dinamização cultural de uma cidade ou país permite-nos evoluir como individuos integrados numa sociedade, a questão é que infelizmente (ou pelo menos é isso que passa para a opinião pública, em que o JPP se insere) os apoios foram dados ao desbarato no passado e que agora as coisas tem que começar a ser mais apertadas, porque o dinheiro falta em todas as áreas.
Este episódio inenarrável com o chamado "Teatro Plástico" parece-me um exemplo perfeito de pessoas que fazendo-se de vitímas, sabem muito bem como manipular os média de encontro à sua própria agenda.
Infelizmente os média ainda são muito ingénuos e permeáveis as estas acções de propaganda. Basta ver o exemplo do Francisco Louçã.
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