19/06/2006

Caixa Negra

Sono. Tanto sono…mas não. Agora não.

Já limitava os graus. Não que a partida o não fizesse de início, mas dantes via mais longe. E com muito menos trabalho.
Ainda pra mais estava preso em sítios. Muitos sítios.
Não tinha nada quebrado. A não ser uma voz que fazia em criança. E o próprio espaço da quebra, que estilhaçava sempre mais um pedaço de cada vez que tentava lembrar-se para onde tinha ido a outra asa de um avião em queda, imitado em serões de família. Era inútil. Crescer fora aquilo. Envelhecer era partir coisas e fazer chagas no corpo.

Sono. Tanto sono. Mas não… ainda não.
Se vamos dormir sentados, então que a hora seja oportuna, pensava. E depois, fechava os olhos durante um bocado e descolava a língua do palato, só para escutar o som da cortiça. Sêco. Matutino. O céu não será nada disto …pelo menos há mais água…mais leveza…e nuvens…muitas nuvens…dormir agora era oportuno. Sim…fechar os olhos agora era muito oportuno…esquecer a carne e as horas mortas e o barulho do pó nas escaras e fazer como em criança… Rir muito de olhos fechados e imitar um avião… Rir muito alto, encontrar a outra asa e imitar um avião! Fechar os olhos agora era tão bom, pai…deixa-me dormir agora e diz-me que agora é que é…fecho os olhos pesados e escuto o som dos motores. Dormir agora é oportuno, pai…

Ar rasgado. Pele curtida nas costas. Esgar contido. Olhos abertos.

Sono. Tanto sono. Mas não. Hoje não…

À sua frente uma criança ruiva, bem nutrida e bem vestida, crava os olhos bem abertos nos que há pouco se fechavam. Numa mão um avião, na outra um grande chicote. Rasga um sorriso inocente e deixa o brinquedo cair.
Ainda não é oportuno!

5 comentários:

antoniofs disse...

Bem, parece que os frequentadores deste blog se assustaram com o post...
Está tudo com medo de comentar, dá-me a ideia!
Hmm...
Espero que este primeiro comment desarme a timidez dos outros! Vá lá!

Quanto ao texto propriamente dito:
não sei se o percebi integralmente, confesso; mas gostei da ideia global; e apreciei a escrita.

Um abraço!

Mushi disse...

Que história incrível, Flanco, pá...* O resto já o entreguei à imaginação.

Le disse...

"Pele curtida nas costas. Esgar contido. Olhos abertos."
Muito bom flanco, muito bom mesmo. 5*, podias ter descrito também a púbis, mas se calhar não fazia sentido, tens razão!

Helder Guimarães disse...

flanco, estou contigo! seja o que for, estou contigo! a tua sensibilidade desarma qualquer um. até um ser viril como eu.

Anónimo disse...

viva a palmilha dentada! foda-se lá para o tertúlia castelense, que leva consumo mínimo para quem quer lá ir. era menino para ir ver a peça e ainda beber umas cervejas... agora PAGAR obrigatoriamente... nem pensar!

boa sorte, palmilhas... mas para a próxima arranjem um sítio onde tenhamos que pagar para vos ver, não para um caralhão ter o bar a lucrar.