20/04/2006

A carreira das exéquias

Olhou para o horizonte.
Tarde. Fim de tarde. Sol de fim de tarde. E uma estrada na berma de uma barraca sem alpendre. Mas digna. E pó. Muito pó.
Um cão muito pequeno a fazer equilíbrio numa bola de basquete. Nem o lulu gira nem o nariz dói. A bola ri-se a bom rir, apesar das garras do rafeiro lhe comicharem a textura.
Mas não se ouve nada. Um vento ou outro brinca às massas frias e é tudo. As pedrinhas empurram-se umas contras as outras e outras contra o alcatrão quente.
Os carros já não passam ali. Só uma vez por ano, um autocarro muito velho, com pessoas de olheiras muito fundas, olhar muito fixo e vestes muito negras faz aquele caminho, numa ladaínha, em compasso binário muito lento. Vão ao funeral do condutor... Mas só depois de chegarem.
Esperou.
Olhou de novo.
Viu o Sol já a metade.
Pousou o ramo - o cão assustou-se, caiu da bola e percebeu que era ao contrário e por isso não tinha o nariz achatado! Chamou os lamúrios para dentro e limpou os olhos molhados, enquanto entrava na mansão de onduline...
O Sol sem a metade. A porta sem fechar bem. O lulu a tentar o contrário. A estrada sem a poeira.
Tinha sido ontem.

2 comentários:

Lia Ferreira disse...

ora agora tomem lá qualquer coisa de comovente!...

ricardo leite disse...

pha eu arranjava ooutro passatempo que não o de chagar as pessoas... mas tu é que sabes...
uma sugestão, já experimentaste ir a palco dizer isso?