17/08/2006

Uma questão de educação – Parte III de um grande desafio

Embalado pelo feriado reuni finalmente coragem de me atirar ao ponto 6 das “LINHAS DE ORIENTAÇÃO DO MODELO DE FUNCIONAMENTO DO TEATRO MUNICIPAL DO PORTO”. E a primeira conclusão é que Agosto tem pouco feriados, precisava de outro já de seguida.

Será que alguém já os avisou que no Porto há duas escolas superiores e duas técnicoprofissionais de teatro? Para que raio é que nós agora vamos ter que dar formação na área de teatro?

O ponto 6 obriga a entidade que fique com a gestão do Rivoli “a criar e manter as estruturas que considere necessárias para promover (...) ensino e formação de uma ou mais artes performativas”, com o objectivo de realizar com eles espectáculos e para “conferir e garantir a tais alunos a formação necessária para a sua integração progressiva nos espectáculos organizados no âmbito do protocolo.”

Será que um curso de “Sorri, maneia a coxa, abana o peito e sorri. Sorri sempre” é suficiente?

Este ponto 6 parece-me que cria alguns factores de discriminação entre eventuais candidatos. Imaginemos um candidato que se propõem apresentar somente dança contemporânea e outra que seja uma orquestra filarmónica. É muito mais barato ensinar um miúdo a espojar-se no chão fora do ritmo do que ensinar alguém a tocar tuba. Será isto justo?

E em relação ao espaço? Irá a Câmara Municipal entregar ao privado o último andar do Rivoli onde está actualmente a área administrativa da Culturporto? Senão onde é que se colocam as salas de aulas?

Isto leva-me a duas possibilidades. Ou tudo isto se trata de um chorrilho de disparates ingénuos inventados por quem não tem que fazer e que resolveu elaborar um documento politicamente correcto sem sustentação lógica mas que poderia calar as vozes criticas ou pelo contrário há uma intenção mais elevada que a minha mesquinhez não me permite alcançar.

Centremo-nos na possibilidade mais realista: o chorrilho de disparates ingénuos. Estava a brincar. Vamos à minha mesquinhez.

Aliás já me farta um bocado o humor básico que se faz em Portugal, centrado em estereótipos simplistas tipo; os políticos são todos uns corruptos e os futebolistas são todos uns burros. Toda a gente sabe que nem os políticos são todos burros nem todos os futebolistas corruptos.

Deve haver aqui uma intenção mais elevada. Analisemos.

Formação é daquelas palavras simpáticas de que todos gostamos. Ter sido formado em qualquer coisa fica sempre bem num curriculum e um politico a querer investir em formação comprova sempre a sua visão politica e atesta o seu profundo desejo de um futuro colectivo melhor. Excepto claro se o senhor for um ministro a investir apenas na formação da sobrinha, nesse caso apenas atesta o profundo desejo do senhor de um futuro melhor para a sobrinha.

O investimento em formação cheira sempre a investimento público. E eu acredito que isso é verdade, se em Portugal mais gente tivesse o curso “Sorri, maneia a coxa, abana o peito e sorri. Sorri sempre” éramos todos muito mais felizes.

Quando o Sr. Dr. Rui Rio chegou à presidência uma das primeiras coisas que fez foi acabar com um projecto de ensino de teatro e dança nas escolas do Porto. Penso que agora estará a equilibrar o karma, atirando para outros o trabalho que lhe permitirá dizer que ele investiu em formação. E aqui o problema é grave. O que falta no Porto, e no país, não é a formação de actores. Aliás em nenhuma arte. O que falta é a formação de públicos e de um espaço onde os jovens possam descobrir se tem ou não gosto e apetência para as artes.

Para ter uma atleta de alta competição de atletismo Portugal tem que ter anualmente mais de meio milhão de jovens a correr, 100 mil a praticar desporto federados, 900 profissionais e então meia dúzia serão as atletas de alta competição.
Tal como na natureza é uma pirâmide. Os peixes põem milhares de ovos para aumentar a possibilidade de alguns, os melhores, sobreviverem.

E ao contrário dos peixes os que não chegam ao topo da pirâmide não se perdem, são o futuro público das provas de atletismo. Com vantagem que é público esclarecido.

Nota 1: Evidentemente inventei os números, mas acho que a ideia fica mais clara.
Nota 2: A receita da pirâmide do atletismo, como com certeza repararam, refere-se apenas à criação de atletas femininas, para fazer um atleta de alta competição e muito mais prático e económico dar a nacionalidade a um já feito.

E se o trabalho de sapa que era feito pelo projector de teatro e dança nas escolas tinha a grande vantagem de criar públicos, não vejo qual é a vantagem da futura entidade que venha a gerir o Rivoli organize uns cursinhos de “de uma ou mais artes performativas”.

Volto à primeira possibilidade: um chorrilho de disparates ingénuos, só que reformulo: não são disparates ingénuos. São mais perigosos.

6 comentários:

Anónimo disse...

Confesso que esta me ultrapassa. Se a cultura é improdutiva, ociosa mesmo, para quê a formação? Ainda se fosse formação em automobilismo, percebia-se, que isso é ócio com categoria, científico mesmo. É certo que é um bocado poluente, mas para compensar isso é que se podem plantar figueiras e assim no Covêlo!

Anónimo disse...

Confesso que esta me ultrapassa. Se a cultura é improdutiva, ociosa mesmo, para quê a formação? Ainda se fosse formação em automobilismo, percebia-se, que isso é ócio com categoria, científico mesmo. É certo que é um bocado poluente, mas para compensar isso é que se podem plantar figueiras e assim no Covêlo! Alguém me explica?

Pop-up disse...

se a opção for "ensinar uns miúdos a espojarem-se no chão fora do ritmo"... eu conheço uns quantos "personages" com descoordenação motora que ouvem umas "músicas" sincopadas.
se a formação musical não puder ser descorada... eu conheço uns quantos "personages" com descoordenação motora que ouvem umas "músicas" sincopadas (não, não são os mesmos da "espojada". estes são outros...) que podem iniciar os jovens no mundo da tuba,clarinete, djambé ou mesmo do didjiridu.
já agora, a CMP pode fornecer os instrumentos?

fernando lucas disse...

A palmilha dentada ao conseguir elaborar, e por em pratica, um plano cultural/educativo para o Rivoli com esses termos... aviso já, fazem o favor a este pais e candidatem-se como políticos nas próximas eleições, e não interessa o partido, eu votarem em vocês.
Esta coisa do rui rio dar o poder ao "povo" é algo de extraordinário, imagino só vir para a minha casa uma carta do género para gerir um estúdio de artes, era a p*** da loucura (já dizia um amigo meu).
E se o plano da famosa carta está correcto e é assim tão matemático como parece, o senhor presidente não tinha problema em continuar.
Já sabe o que tem ou não tem que fazer, está tudo escrito e estudado, pelo menos assim parece. O que raio deu erro no Rivoli.
De certo que a malta da palmilha está anos-luz à frente do RR em relação a gerir espectáculos, não seria mais fácil o dito pedir apoio/ajuda até mesmo conselhos aos grupos de teatro que há nesta cidade. Julgo que muitos não iriam negar.

P.S.: O que faz o senhor Dorminsky a gerir o turismo em Vila nova de Gaia?
E já agora o vice-presidente do IPPAR (Dr. Henrique de Matos Parente) não sabe que o Centro Histórico de Guimarães e Alto Douro Vinhateiro são património mundial, ah! E ele é contabilista...

Pop-up disse...

Salvem as figueiras os os (ba)coqueiros!
sabem o que ficava bem na quinta do côvelo?
uma Sequóia! daquelas que atingem os 150m de altura, 12m de diâmetro e mais de 4000 anos.
podia-se importar uma dos &%$#"##$ ou canada.

cair de lá de cima com uma corda (de 160m - dinâmica!) amarrada ao colarinho... coitado do homem. (sim, que eu cá não sou pró-enforcamento!)

Nota: queria escrever este comentário e como não encontrei a secção "coníferas de grande porte", nem a "ascenção e queda com recurso a cordas dinâmicas"... ora bolas, veio parar à "Parte III de um grande desafio"

Outra nota: criem o movimento reflorestação do côvelo. eu conheço uns quantos "personages" com descoordenação motora que ouvem umas "músicas" sincopadas que estariam disponíveis para dar uma mãozinha.

Mais uma nota: com uma identidade destas não estavam à espera de melhor, não?

ricardo leite disse...

É impressionante a riquesa da ironia...
Se eu pudesse dava um curso para a formação de irónicos em portugal!
I love you Rui Rio !

abraço palmilha esquerda :)