24/12/2006

Feliz natal!

- Compraste o vinho?
- Que vinho?
- Não me digas que te esqueceste de novo do vinho!?
- Não. Estava a brincar. Está ali, na saca de papelão em cima da mesa da cozinha. E tu? Tu cozinhaste o quê para este ano?
- Este ano o bacalhau estava muito caro, por isso comprei pescada. Faz o mesmo efeito, disse-me a moça do super-mercado. Basta aquecer o azeite, cebola, alho e loureiro, e ninguém nota a diferença.
- Ou seja, eu não noto a diferença! Não está cá mais ninguém… Esqueces-te que o dinheiro é meu? Eu pedi-te bacalhau!
- Desses-me mais dinheiro. Não chegava, que queres… Vou pôr música. Gostas desta?
- Sim, gosto. Senta-te aqui.
- Queres que te sirva?
- Por favor, mas serve-te a ti primeiro. Vinho?
- Sim.
- Está óptimo.
- O peixe?
- Tudo! Está tudo óptimo. Quando era mais novo não havia leitores de CD. Mas o ambiente era o mesmo…
- Eu também não o teria, não fosse tu teres-mo dado.
- …o ambiente era o mesmo. Calor, companhia, comida e a certeza de que em todas as outras casas os outros estão a fazer precisamente o mesmo que nós. Acho que aí reside o maior conforto do natal. Saber que não estamos sozinhos no momento. Que mais do que a partilha entre as pessoas com quem se ceia, existe a comunhão geral de estados de espírito. A comida é sempre boa…
- Se não fosses tu a pagá-la, não seria.
- Mas é. Em minha casa também era. Sabes que a minha mãe costumava espalhar frutas secas pela mesa. Na altura comíamos pinhões com o pão e o bacalhau!
- Também temos ali pinhões, como pediste.
- Sim, adoro pinhões. Vais-mos buscar, por favor?
- Claro!
- Obrigado. Esta época significa muito para mim, sabes…
- Pois, deve significar! O dinheiro que gastas com ela… A mim já me disse mais. Trabalhar na véspera e no dia de natal retira-lhe grande parte do significado.
- Porque é que trabalhas?
- Meu querido, se não trabalhasse não estaríamos aqui descansadinhos a cear.
- Tens razão. A vida está difícil. E as recordações? Tens as recordações, não? Eu tenho-as.
- Vives delas. Eu não consigo. Rabanadas?
- Sim, por favor.
- Não consigo esquecer o dia-a-dia. Não consigo usar máscaras.
- Mas tens de tentar! É natal!
- É difícil…
- Pensei que tínhamos um acordo! És todos os anos a mesma coisa! Este é o terceiro natal que passamos juntos e acaba sempre contigo a lamentares-te!
- Olha, se não queres passar o natal comigo há mais quem queira!
- Desculpa. Fui impulsivo... Eu… Passas sempre o natal comigo, certo?
- Se não fores parvo, passo.
- Está bem, desculpa.
- É meia-noite! Comprei-te uma prenda. Pega. Espero que gostes.
- Compraste-me uma prenda? Nunca tinhas feito isso!
- Foi com o dinheiro que me deste para as compras. Sobrou algum e pronto, comprei.
- Obrigado! Também te comprei isto… Não é muito mas…
- Oh, não era necessário… É lindo, obrigado. E o…
- Está no envelope, junto à lareira.
- 250?
- Como combinado. Agora vou-me, obrigado pela ceia. Para o ano posso voltar, certo?
- Claro tonto. És o meu cliente preferido. O dia 24 de Dezembro é sempre teu.